Tênis bom: pra que tanto modelo caro?

Anne Dias
Adicionada em 31 de julho de 2017
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Um amigo que trabalha para uma marca de tênis me falou: “Vou te chamar para dar ideias sobre que tipo de tênis os corredores mais gostam”. Respondi: “Fio, nem precisa me chamar. Te falo agora: a gente gosta de tênis que custe até R$ 150; R$ 200, vai. Vocês adoram fazer tênis de R$ 600, R$ 700 cheio de tecnologia. Não rola. Faz um modelo simples que vocês vão encher as malas de dinheiro”.

Ou ele levou a solicitação para a diretoria e eles estão confabulando um novo modelo há uns três meses ou a queixa entrou por uma porta e saiu pela outra, porque ele nunca mais falou comigo. Claro que havia um certo exagero na minha frase, mas a ideia é boa. Já imaginou: um tênis com alguma tecnologia, pode ser feio mesmo e muito barato? Tenho pra mim que não sou a única a concordar comigo e há de haver outros corredores que pagariam menos por menos coisas num par de tênis.

Afora o preço, vou te mostrar o que é um tênis bom:

  1. Ele não se faz presente: você põe o tênis, sente um conforto imediato, depois esquece e só se lembra dele na hora de tirar para tomar banho.
  2. Tênis bom vira assunto: se ele não é lembrado durante o treino, também não é esquecido fora dele. Você fala e indica tênis bom o tempo todo.
  3. Você recomenda o tênis, mas nem todos gostam, e você vira o bicho. Como assim a pessoa não gostou do tênis da sua vida? Teria a pessoa usado ele da maneira correta? Reparou no cabedal mais firme e ventilado? E o drop, que beleza? Ela não viu tudo isso ou está querendo me irritar simplesmente?
  4. Ele deixa saudade quando morre: o tênis fica péssimo, velho, surrado, fedido, gasto, mas você não quer se livrar dele. Quando a situação fica insustentável, você o descarta. Aquilo dói. Parece um ente querido indo para o céu dos tênis. Até porque é isso mesmo que acontece.
  5. As marcas têm uma maldita tradição de lançar novos modelos e matar os antigos. Por que, senhoras? Então, quando você curte um tênis tem até vontade de não usá-lo, de colocar o bicho num quadro, ou de comprar pares e mais pares de tênis idênticos, tamanho medo de nunca mais ser feliz.

Em resumo, tênis bom é como um bom namoro. Você se agarra a ele, não vê defeitos, quer morrer colado, mesmo sabendo que o danado tem prazo de validade. Se você der sorte, mesmo depois de velho, consegue usar o bicho em uns rolês pelo shopping. Tipo namoro mesmo.

O oposto também é verdadeiro. Já comprei dúzias de pares e saquei no km 1 que o modelo era porcaria. Faz como? Exatamente como um namoro ruim: sai fora o mais rápido possível, doa, vende, troca — seja o par de tênis, seja o par romântico. Não vale a pena sofrer por uma coisa que o capitalismo substitui com certa facilidade, nem por uma pessoa cujo bom xalalá também pode substituir com muuuuuuita facilidade.

Agora, deixando o amor de lado e sendo práticos: vamos fazer uma prece para que algum diretor ou alguma vice-presidente de uma marca de tênis leia estas mal traçadas, se inspire e crie o tênis dos sonhos de cada um nós. Bem baratinho, por favor. Se puder trazer junto, amarrado no cadarço, o amor, tanto melhor. Mas foca o tênis, dirigentes. Amém.

Anne Dias

Anne Dias

Jornalista com especialização em economia e com nove meia maratonas no currículo: duas W21, Meia Maratona das Pontes (Brasília), Disney, Corpore, São Paulo, Uberlândia, Porto Alegre e duas Golden 4 Asics. Concluiu também duas maratonas: Nova York e Buenos Aires. E não pretende parar.

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