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O dom de repensar a sua própria vida

Anne Dias
Adicionada em 30 de novembro de 2018
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Eu participei de uma prova de corrida no ano passado em que havia dois cadeirantes famosos. Um era o Fernando Fernandes, que foi modelo internacional e, depois de um acidente de carro, se viu numa cadeira de rodas. Passou por todo aquele amargo processo de recuperação, tocou a vida e ganhou o mundo como canoísta.

Sentado, Fernando é quase da minha altura, que é 1,63 metro. A pele dele brilha, o que ressalta aquele tanto de tatuagens que até ele deve ter perdido a conta de quantas são. O sorriso é largo e Fernando fala com todo mundo que chega junto. E dá mesmo vontade de bater um papo com ele sobre qualquer coisa, porque o cara é bacana. A cadeira de rodas? Você nem se lembra que ela existe porque o foco é ele, não ela.

A outra cadeirante sempre foi do mundo dos esportes. Mais calada, ficou num cantinho. Até o locutor da prova achou graça e disse: “E ela, que está ali, só na sombra”. E foi a impressão que eu tive. A moça vive na sombra. Não é exatamente um problema de timidez ou tristeza pelo acidente, até porque ela vem superando o que aconteceu dia a dia.

É um troço qualquer na alma, que sai pelos poros da pessoa que sofreu algum tipo de revés e bate na sua cara. Esse troço você tem ou não tem. Eu conheci algumas pessoas que superaram situações periclitantes e que esbanjam isso. Elas te puxam para perto e te fazem rever sua vida.

E conheci também outras tantas pessoas que não tinham esse detalhe, essa vírgula na alma. O olhar é perdido e a impressão que você tem é que elas pedem socorro o tempo todo. Você tem vontade de pegar no colo e dizer “vai passar”, mas não sabe muito bem como fazer isso.

No fundo, acho que quem tinha brilho antes de um fato marcante, ainda que negativo, continua brilhante. E quem era tristonho permanece tristonho depois de uma nova história.

Fato é: que tipo de reação você tem quando encontra um Fernando Fernandes ou quando vê uma deficiente mais quieta? Porque, se nada acontece por acaso, e eu realmente apostaria os fios da minha cabeça nisso, cada uma dessas pessoas que superou lances difíceis está aí para cutucar a gente.

Bom, eu me sinto cutucada, às vezes dói mais, às vezes menos. Mas eles sempre causam alguma coisa na nossa alma. Talvez a vírgula que sobre neles venha para nós também. E vice-versa.

Anne Dias

Anne Dias

Jornalista com especialização em economia e com nove meia maratonas no currículo: duas W21, Meia Maratona das Pontes (Brasília), Disney, Corpore, São Paulo, Uberlândia, Porto Alegre e duas Golden 4 Asics. Concluiu também duas maratonas: Nova York e Buenos Aires. E não pretende parar.

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