O dia em que fui mais feliz na corrida

Maurício Lopes
Adicionada em 22 de novembro de 2018
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Entre 2008 e 2016, eu corri 15 maratonas. Significa que, durante tal período, toda corrida que eu fazia era, necessariamente, um treino para a próxima maratona. Quem treina deve, ou pelos menos deveria, ser rigoroso no cumprimento de metas. Ou seja, se de acordo com a sua planilha, você deve correr 10k naquela tarde de abril, você não vai correr mais do que o programado, ainda que você esteja em um belo local, que o dia esteja lindo, a temperatura agradável, e mesmo que você saiba que, se você seguisse adiante, apenas mais 1 ou 2k, você encontraria uma deslumbrante paisagem da costa.

Entre 2016 e 2018, não corri qualquer maratona. Gostaria de tê-lo feito, mas não o fiz. Talvez porque eu só treinasse, independentemente de onde quer que eu estivesse, do entorno, as corridas a mim me pareciam sempre a mesma – quem treina costuma só ter olhos para o relógio. Sempre achei que a realização eu só a poderia encontrar no dia prova. O objetivo, que não estaria no correr em si, só seria alcançado com a conclusão de uma maratona.

Sem ter uma maratona à vista, eu, aos poucos, deixei de treinar. Mas não deixei de correr. Um dia me dei conta de que o garmin havia ficado na gaveta, de que o ritmo e a distância percorrida pouca ou nenhuma importância tinham. E foi assim, com o espírito livre – liberdade é não usar relógio, disse o filósofo – que eu, dia desses, saí correndo de Cascais e fui até o Cabo da Roca. Ao lá chegar, desci a trilha até a praia da Ursa, o lugar mais bonito do mundo.

Eu larguei para correr 15 maratonas junto com a pessoa que eu amo. Em nenhuma das vezes chegamos juntos. Os relógios, o meu e o dela, impuseram a nossa separação durante o percurso – cada um foi buscar a sua marca. Juliana e eu saímos juntos de Cascais, e juntos chegamos ao Cabo da Roca; e, depois, sempre juntos, à praia da Ursa. Ao pisar na areia da praia deserta, eu tive a impressão de que eu jamais serei tão feliz.

O Cabo da Roca é, segundo Camões, o lugar onde “a terra se acaba e o mar começa”. O Cabo da Roca é o fim da Europa. É provável que eu volte a correr maratonas. Do outro lado do mar, terra há. Antes, contudo, eu vou correr uma certa prova. A Corrida do Fim da Europa, que larga de Sintra e, 16 quilômetros depois, termina no Cabo da Roca. A minha dúvida é saber se, faltando poucos metros para a chegada, se eu sigo para pegar a medalha ou se eu desvio e desço a trilha até a praia.

Maurício Lopes

Maurício Lopes

Mauricio Lopes é advogado, editor (fundador da Editora Leblon, que publicou, no Brasil, a obra 50 Maratonas em 50 Dias, de Dean Karnazes), leitor e colecionador de livros sobre maratonas. É, acima de tudo, maratonista.

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