O bode da corrida

Harry Thomas Jr
Adicionada em 19 de novembro de 2018
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Nem todo corredor passou pelo processo, mas todo corredor pode passar, vai saber… É o bode da corrida. Ele é observado principalmente em corredores de longa distância que, depois de atingir o pico de treinamento e ter participado da prova-alvo, entram em um processo de mudanças em relação à corrida.

É uma certa “preguiça”, aliada ou não com a sensação de dever cumprido. O comprometimento com os treinos passa a ser menos rígido. “Você coloca metas e  foca no processo para atingi-las. Isso fica fortemente incorporado na sua rotina. Uma vez que a meta é atingida, não há nada mais a ser buscado. E aí vem a sensação de vazio”, me explicou o psicólogo Fábio Fischer, que também corre suas provas por aí.

Observo, no entanto, que o vazio se dá em duas frentes. De um lado, são aqueles que param de focar mais seriamente de forma voluntária nos treinos já com um autoconhecimento do processo da quebra da rotina. E há aqueles que não conseguem entender o porquê a vontade descomunal de ir treinar sumiu. Neste último caso é onde deve-se focar o trabalho psicólogo.

Sabemos que é um trabalho árduo chegar a uma prova-alvo confiante de que todo o planejamento saia a contento. O corredor, no processo de preparação para a corrida, se entrega de corpo e alma para atingir a meta proposta, seja só completar o percurso ou atingir seu recorde pessoal. 

“Essa sensação de vazio e ‘deprê’ que bate em muita gente é bem normal de acontecer. Independente se falamos de corredor de elite ou do amador recreativo, quando passamos um período onde o programa de treinamento comanda a vida por semanas ou meses, mente e corpo entram numa sintonia mais fina. Se falamos de atleta de alto nível, muitas vezes existe a pressão nos treinos para cumprimento de metas, conquista de vitórias e obtenção de índices para a classificação em competições importantes que frequentemente atormentam e prejudicam o corredor”, explica Fischer.

Como dica, procuro planejar entre duas a três provas-alvos, ou seja, competir pouco. Isso me dá a motivação de sempre renovar meus ciclos e objetivos.

Os objetivos também podem ser mais longevos como, por exemplo, participar de um processo para obtenção de índice de uma prova que pode ser a Maratona de Boston ou a Ultratrail Du Mont Blanc e pode durar entre dois a mais anos 

Após vários anos correndo e as demandas de tempo e performance terem ficado no passado, não corro mais pressionado sob esse fator, entretanto os desafios em termos de distâncias aumentaram. No meu caso específico, estou passando a régua entre as possibilidades reais do que posso ou não fazer. Isso me traz paz e calma evitando o stress de atingir metas inatingíveis. 

“Não podemos ignorar nunca que, antes do esportista, temos um ser humano que pensa, reflete, tem sonhos, alegrias, tristezas e muitas vezes não consegue lidar com o turbilhão de pressões a que é submetido”, pondera o psicólogo Fischer, mostrando que o grande segredo para evitar o “bode da corrida” é focar no equilíbrio entre a vida atlética e a particular, aquela que envolve família, trabalho, estudos ou puro ócio.

 

Harry Thomas Jr

Harry Thomas Jr

Jornalista especializado em corridas de rua desde 1999, Harry competiu pela primeira vez em 1994 e desde então já completou 31 maratonas – sendo três sub 3 horas: São Paulo (2h59min30), Nova York (2h58min20) e Blumenau (2h58min10). Também concluiu seis Ultratrails: 60K Ultratrail Putaendo, 67K Ultratrail Torres del Paine, 50K Indomit Costa Esmeralda e os 50K Ultra Fiord por três vezes. Já correu em países como Argentina, Chile, Estados Unidos, Grécia e Japão.

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