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Princípios do treino de força

Adicionada em 04 de março de 2008
 

Por muito tempo existiu uma separação entre o treino de força e o de resistência, com a crença de que os dois objetivos eram incompatíveis. Muitos afirmavam que treinos de força poderiam diminuir a performance de um corredor. O consenso atual mostra que treinos de força aumentam a performance nos atletas de resistência

O aumento da densidade mineral óssea (a DMO e o valor utilizado para diagnóstico da osteoporose), especialmente no idoso, já foi comprovado. Considerando-se que a expectativa de vida vem crescendo, esse fato torna-se de vital importância, já que o treino de força deve resultar em um idoso mais independente e saudável. Os exercícios aeróbicos são conhecidamente efetivos para a melhora da função cardiovascular, mas muitos médicos falham ao não reconhecer o potencial do desenvolvimento da força muscular com o mesmo fim. Na verdade, ainda existe o mito de que um treino de força pode afetar negativamente os valores da pressão arterial de repouso.

É comprovado que o treinamento de força diminui os riscos de desenvolvimento de doença cardiovascular e melhora o trabalho cardíaco. O aumento da massa magra (músculo) provoca um crescimento na taxa metabólica de repouso, ou seja, seu corpo passa a consumir mais calorias para a manutenção da massa muscular extra. A alteração que ocorre na relação massa magra X gordura é importante na prevenção de doença cardiovascular e diabetes. Finalmente, alguns estudos comprovaram uma redução nos níveis de pressão arterial de repouso em atletas em treinamento de força.

Benefícios específicos para o corredor

Apesar de os benefícios gerais já valerem a pena, o corredor pode se perguntar: “Por que a musculação, se a corrida, além de ser meu esporte favorito, já é suficiente para a manutenção de minha saúde?”. É simples: competitividade. Quando o condicionamento aeróbico é semelhante entre dois corredores, o sistema de energia anaeróbica será a diferença na performance dos dois.

Quando nos exercitamos a uma alta porcentagem do VO2 máximo, a resistência está relacionada, principalmente, ao metabolismo do lactato e ao consumo do glicogênio, colocando o VO2 em segundo plano. O treino com alto volume de peso faz com que o acúmulo de lactato no sangue ocorra mais tardiamente, permitindo que o exercício de alta intensidade seja sustentado por mais tempo. Essa alteração se traduz naquele “gás” extra que é necessário para uma subida mais forte ou um sprint final. O risco de lesão no corredor que apresenta desbalanço muscular, seja entre lado direito/esquerdo ou grupo muscular agonista/antagonista, é mais elevado. A prevenção de fasciite plantar e síndrome femoropatelar, duas patologias comuns do corredor, já é há muito tempo realizada com a indicação de ganho de massa muscular. O treino de força também tem o potencial de diminuir a incidência de lesões por sua ação em outros tecidos que não o músculo. Tendões e ligamentos tornam-se mais resistentes e a função da cartilagem articular é melhorada. Na verdade, focando-se a prevenção de lesões, o treino de força traz mais benefícios ao corredor do que a qualquer outro atleta.

O treinamento

Dois princípios primários devem ser reconhecidos na escolha dos exercícios a serem realizados. Modificações na planilha seguirão o interesse, a disponibilidade de tempo do atleta e os equipamentos disponíveis. Primeiramente, qualquer planilha que visa a um ganho geral de força deve incluir os grupos musculares principais (maiores). Pode ser tentador para o corredor fazer apenas o treino de pernas, já que elas fazem todo o trabalho…

Contudo, a posição ereta durante a corrida deve ser mantida pela ação da musculatura abdominal e dorsal, e os membros superiores estão em movimento constante. É claro que o maior esforço concentra-se abaixo da cintura, mas o resto do corpo deve ser trabalhado para evitar fadiga e lesões de overuse secundárias. Em segundo lugar, sempre deve-se trabalhar grupos musculares com funções opostas. O corredor depende dos extensores do quadril (glúteos e isquiotibiais) para mover a perna para trás, gerando o impulso necessário para a corrida, mas também depende dos flexores (reto femoral e ileopsoas) para o retorno da perna para a posição inicial antes de novo impulso. Os dois grupos devem ser trabalhados para evitar desbalanço muscular, que, como citado anteriormente, aumenta a incidência de lesão por overuse. A troca de planilha deve ocorrer de quatro a oito semanas para evitar uma rotina tediosa e promover estímulos musculares diferentes.

Ordem dos exercícios

É bom que os grupos musculares maiores sejam trabalhados antes. Esses grupos demandam mais força e normalmente requerem movimentos multiarticulares, que usam os grupos menores para estabilidade do movimento. Se o grupo menor for exercitado antes, ocorre a fadiga do mesmo e uma depleção de reserva energética, fazendo com que o trabalho do grupo maior seja menos efetivo.

Frequência

Em linhas gerais, 48 horas de repouso para um determinado grupo muscular devem ser respeitadas antes de um novo treino. Esse repouso resulta em três treinos por semana. O corredor que desejar “perder” menos tempo com o treino pode conseguir até 80% do resultado total, com dois treinos por semana.

Volume (set X repetições X carga)

Para evitar o risco de overtraining, a adição do treino de força deve ser feita com baixa intensidade no início, sendo a resposta ao treino, individualizada para cada atleta.

Em geral, dois sets de oito a 12 repetições são o padrão para cada exercício. Cada repetição deve durar aproximadamente seis segundos, sendo dois segundos para a contração concêntrica (positiva) e quatro segundos para a contração ecêntrica (negativa). A carga utilizada deve ser individualizada e determinada com cuidado. Se o atleta não puder completar oito movimentos, ela deve ser diminuída; se puder completar 12, deve ser aumentada.

Cuidados iniciais

O corredor que inicia um treino de força deve passar as três primeiras semanas em um período de adaptação. Esse período inclui um volume e uma intensidade baixas, para prevenir qualquer dor muscular que prejudique a corrida. Treino dos movimentos com amplitude completa e equilíbrio, coordenado com a respiração (inspiração no movimento ecêntrico e expiração no movimento concêntrico), também deve ocorrer nessa fase inicial, só que com cargas mais baixas. O tempo do movimento, de quatro minutos ecêntrico X dois minutos concêntrico, deve ser respeitado para enfatizar a contração ecêntrica, de importância fundamental.

Finalmente, treinos de força devem ser realizados em duplas. Muitos dos exercícios com pesos livres precisam de supervisão de um segundo atleta para segurança; além disso, um treino em dupla apresenta maior motivação quando esse trabalho com pesos não é a maior “paixão” do corredor. Resumindo, o treino de força é um pequeno investimento para o corredor, que visa à melhor performance.

 

 

por dr. José Wilson Nunes Vieira de Andrade
Revista Running_BR